segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Lula o Camaleão.



Entrevista de  Roberto Albergaria Doutor em Antropologia pela Universidade de Paris VII e professor aposentado da Universidade Federal da Bahia e ex-militante do grupo armado PCBR, de 1969 a 1971, e exilado em Paris nos anos 70.

Para o antropólogo Roberto Albergaria, Lula sai com popularidade alta porque soube encarnar o "bom selvagem" e o "ex-pobre". "O povo brasileiro é traíra e camaleão igual a Lula", diz.
Para o antropólogo, Lula deixa o governo com alta popularidade porque soube encarnar dois papéis: o de "bom selvagem" e o de "ex-pobre", contrariando o roteiro traçado pela esquerda da USP (Universidade de São Paulo) nos anos 80.
- Não é apenas um pobre que está no poder, é o emergente que chegou lá, o pobre que deu certo. O povo se identifica com Lula porque ele chegou lá com todas as tramóias possíveis. O pobre não é tão bonzinho quanto se imagina. Isso realmente foi uma grande mudança retórica. Até Fernando Henrique, você só tinha o falar bonito das elites. Lula não fez mudança nenhuma no sentido político. Ele aprofundou a lógica da social-democracia.

Mas, no poder e mesmo antes de chegar à presidência, Lula se afastou dessa imagem criada pela esquerda, não?

É a habilidade de camaleão. Por ser pobre, ele sempre se virou bem nas circunstâncias. A primeira imagem dele foi construída de cima pra baixo, nos anos 80, pelos intelectuais paulistas. Na época, tinha o obreirismo e o pauperismo, o mito do trabalhador, do pobre, do nordestino. Ele veio desse capital simbólico inicial, não só dos intelectuais da academia, mas dos jornais também. Quando Lula viu que a imagem de esquerda o prejudicava, fez a "Carta aos brasileiros" (em 2002). É a culminação dessa primeira mudança de pele, de querer ser o pai dos ricos e a mãe dos pobres. A "Carta" era Lula chegando à posição de centro, de social-democrata com uma pitada de populismo. Mas isso só vai se tornar possível pelo carisma que ele tem. Um puta carisma. Fernando Henrique faria provavelmente o que ele fez, ampliaria o Bolsa Família, cooptaria a esquerda, os sindicatos, mas ele não tinha o carisma, esse capital imaginário básico. Lula é um ex-pobre. A razão maior do sucesso é isso.

Lula tem popularidade também na comunidade internacional, principalmente na Europa. Ele reencarnou, na mentalidade europeia, o bom selvagem?

Claro. Para o europeu, isso está mais forte ainda. No início, Lula era o bom selvagem, era a USP olhando a selva industrial do ABC paulista. Um diamante bruto. A esquerda tradicional achava que ia lapidar esse diamante bruto, mas aí vem o lado Chapolin Colorado de Lula: eles não contavam com a astúcia dele. Até hoje, os europeus tem a coisa do bom selvagem, do homem que veio da miséria. O brasileiro, para o europeu, representa a mesma coisa que o nordestino para o paulista. Há essa homologia, dos tupinambás até Lula e Marina Silva. As pessoas acharam que ele seria suficientemente fraco pra aceitar essa imagem. Mas aí ele faz o jogo das elites brasileiras, que é a conciliação e o jeitinho. E com uma imagem de esquerda, mais populista, sem desagradar aos setores conservadores. No poder, ele vai fazer um governo social-democrata com tintas populistas, com uma grande capacidade de comunicação. Ele é o Ratinho da política. Tem a capacidade de fazer com que a grande massa se identifique com ele. Lula é um de nós, pobres, que chegou lá. Não é apenas um pobre que está no poder, é o emergente que chegou lá, o pobre que deu certo.

Agora, durante a crise econômica mundial, houve as sacadas dele, de intuir que os pobres deveriam continuar comprando, de estimular o crédito...

Ele tem intuições geniais. Lula é um cara extremamente inteligente, tem uma compreensão imensa. Ele se cercou de uma equipe econômica muito competente, com Henrique Meirelles, Guido Mantega. O microcrédito estava na moda, vinha da Índia, ele não foi inventor de nada, mas foi um comensal que soube escolher a comida - às vezes por intuição, às vezes por sorte. E houve a ascensão da famosa classe C. A margem de manobra do Brasil não é tão grande. Tem uns bobocas aí dizendo que o PSDB não "propôs uma política alternativa". Não há política alternativa. Lula continuou fazendo a política de compensação distributivista, com o Bolsa Família. A herança e o futuro dele? Como o povo brasileiro é traíra e camaleão igual a Lula, nada garante a fidelidade do povo. Foi-se o tempo em que se tinha uma reserva moral da Nação.

No marketing de Dilma, o publicitário João Santana usou a imagem de "mãe dos pobres". Isso ainda funciona no Brasil?

Funciona muito com os grandes miseráveis do Bolsa Família, mas, para a classe C emergente, Lula é pai dos pobres e irmão dos remediados. Pobre só quer ser ex-pobre. A "mãe dos pobres" funciona com os miseráveis dos grotões. Lula é um alterego do emergente.

A experiência na guerrilha influencia a personalidade política de Dilma? Marcará a imagem dela na presidência?

Não. Foi coisa do passado. No discurso de posse, ela deixou a vida guerrilheira dela bem pro finzinho. Aí mandou levar as mulheres que estavam presas com ela, explorando mais esse passado como uma forma de coragem e firmeza. A luta armada no Brasil nunca foi popular. Logo que o PT foi pra TV, o povo passou a chamar os petistas de "presos torturados"... Eles diziam: "Eu fui preso, torturado..." E não deu voto. Lula nunca foi um comunista. A verdade é que a esquerda nunca teve público. O povo gosta de capitalismo, de grana. O que move o Brasil é a usura, o que fez Lula foi a barriga, a vontade de prosperar, aquilo que os evangélicos vendem como prosperidade. A guerrilha não fede nem cheira. A guerrilha nunca entrou no imaginário popular. Nós, ex-guerrilheiros, sentimos isso e ficamos quietos.  Fonte Terra Magazine

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