Colunista
Luiz Fernando Pereira
A disputa eleitoral começa com o registro das candidaturas. Todos devem
preencher determinados requisitos. Algo similar aos candidatos em concursos
públicos. Não pode concorrer às vagas quem não conseguir cumprir as exigências
do edital. A disputa é apenas entre os inscritos. Dessa forma também deveria
ser na eleição: uma disputa entre os devidamente registrados. Não tem sido,
contudo, tão simples assim.
A última eleição municipal, em 2008, foi vencida em Londrina pelo
Belinati, derrotando Hauly em segundo turno. Depois de terminada a eleição, o
Tribunal Superior Eleitoral decidiu que Belinati sequer poderia ter sido
candidato. O registro foi indeferido, mas apenas depois de encerrada a votação.
Ao exemplo do concurso público, decidiram que a inscrição não valia, mas só
depois da aprovação do candidato. Como consequência da decisão, um inédito
terceiro turno foi convocado em Londrina, em nova disputa que envolveu Hauly e
o terceiro colocado no primeiro turno – Barbosa Neto. E foi esse terceiro
colocado no primeiro turno que acabou virando prefeito. O eleitor londrinense
acompanhou tudo com muita desconfiança.
Na eleição de 2010 o fenômeno Belinati voltou a acontecer. A assim
batizada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) mudou as regras para
quem deseja ser candidato. No juridiquês, houve alteração na disciplina de
inelegibilidades. Quem quiser ser candidato agora deve preencher novos
requisitos. Para simplificar ao máximo, as exigências agora estão mais
rigorosas. A Lei da Ficha Limpa foi aplicada nas eleições passadas. Muitos
registros de candidaturas foram indeferidos com fundamento nas tais novas
hipóteses de inelegibilidade previstas nessa reforma da Lei das
Inelegibilidades (LC 64/90). Apesar disso, terminada a eleição, o Supremo
Tribunal Federal decidiu que a aplicação da Lei da Ficha Limpa às eleições de
2010 feria o princípio da anualidade, por força do artigo 16 da CF, responsável
por garantir o intervalo mínimo de um ano entre a vigência e a aplicação de
leis que alterem o processo eleitoral. O fato é que o resultado eleitoral de
2010 acabou alterado pela decisão do Supremo. Para citar um exemplo conhecido,
Jader Barbalho foi candidato; elegeu-se senador; não assumiu por conta do
registro indeferido e, quase um ano depois, tomou posse com a decisão do
Supremo.
Como isso pode ter acontecido nos casos Belinati e Jader Barbalho, entre
tantos outros idênticos? É exatamente o que se pretende explicar aqui,
aproveitando para predizer (correndo os riscos próprios da adivinhação...) que
os inusitados casos de Belinati e Jader Barbalho devem se repetir em escala
ampliada na eleição de outubro próximo.
Com a antecedência necessária, em fevereiro de 2012, as controvérsias em
torno da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa foram resolvidas. Por
maioria de votos, prevaleceu no Supremo o entendimento pela constitucionalidade
das inovações. A confirmação da constitucionalidade da Lei pelo STF, no
entanto, não elimina uma série de controvérsias em torno das novas hipóteses de
inelegibilidade. O que resta de controvertido vai ser resolvido na análise dos
casos concretos, ao momento do registro das candidaturas. E é exatamente aí que
está o grande risco de multiplicarmos em 2012 os nefastos exemplos de Belinati
e Jader Barbalho.
Algumas ponderações são necessárias para explicar a (i)lógica dos
processos envolvidos nestas decisões da Justiça Eleitoral. A Lei 12.034/2009
(que reformou nossa Lei Eleitoral) acolheu previsão que já vinha sendo repetida
em Resoluções do TSE há algum tempo: “o candidato cujo registro esteja sub
judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha [inclusive ser
votado]” (novo art. 16-A da Lei 9.504/97). Na prática, isso significa que
candidatos que estão com registros indeferidos podem concorrer e,
eventualmente, vencer as eleições sem que haja uma decisão final sobre a
legalidade do registro.
Foi exatamente o que aconteceu com Belinati e Jader Barbalho. Belinati
ganhou e não levou (seu caso segue pendente até hoje no Supremo) e Jader
Barbalho teve de esperar quase um ano para que seu registro fosse confirmado. É
o que deve ocorrer agora em 2012 nos casos de registros indeferidos com
fundamento em inovações (de interpretação controvertida) da Lei da Ficha Limpa.
Haverá uma série de candidatos provisórios. E os candidatos provisórios podem
fazer campanha e efetivamente vencer as eleições (como está no mencionado art.
16-A da Lei 9.504/97), mas não podem tomar posse (ou receber o diploma).
Trata-se de situação inusitada e incompreensível para a grande maioria dos
eleitores.
Assim, todos os casos envolvendo pedidos de registro que demorem a ser
julgados autorizarão candidaturas provisórias. O eleitor não poderá saber se o
candidato é mesmo candidato para valer. E nos termos da legislação atual, isso
é inevitável. Entre o pedido de registro de candidatura (no começo de julho) e
a eleição há um intervalo de apenas três meses. Todos os processos de registro
devem estar julgados antes da eleição, passando por três instâncias. Isso é
praticamente impossível. O indeferimento do registro deveria impedir
imediatamente a continuidade da campanha. Eventuais equívocos poderiam ser
corrigidos na análise do caso concreto. Como não é assim, saibam todos: o seu
candidato pode não passar de um candidato provisório ou, permitam-me o latim,
um candidato sub judice.
Esta inconstância do registro produz inegável déficit de legitimidade do
processo democrático. O eleitor em geral não consegue compreender as razões
legais dessa instabilidade e acaba (com boa dose de razão) atribuindo tudo a
uma indevida ingerência da Justiça Eleitoral. Por conta disso, muitos concluem
que a Justiça Eleitoral viola a soberania popular ao impedir a posse dos
eleitos. Reluto em concordar, mas reconheço que a conclusão é razoável – para
dizer o mínimo. Vamos acompanhar a eleição de 2012 de olho nos candidatos
provisórios.